sábado, 7 de julho de 2007

O Lobisomem

Esta é uma história verídica. Acredite. Quem tiver boca que cale; quem tiver ouvido, que escute.
Aconteceu em São Domingos da Prata, uma cidadezinha um pouco distante da capital de Minas Gerais. Sabe como é, cidadezinha do interior se faz é filho. Nasci no dia 13 de fevereiro do ano de 1992, exatamente a meia noite de uma sexta-feira . Vamos combinar, é um dia muito... como dizer, assustador. Só que meus pais no lugar de contentes, ficaram apavorados com aquele acontecimento. Sim, porque todos torciam por uma menina. Foi quando Benedita, a parteira da localidade, finalmente gritou lá do quarto:
- É um menino, compadre. Cruz credo! E imediatamente fez o sinal da cruz.
- Mas será ó Benedita, tem certeza? – perguntou.
Xi...Naquele dia foi um reboliço danado, nem te conto.De acordo com a tradição, o sétimo filho homem de uma família carrega a sina de virar lobisomem. Era esse o presente que a natureza reservara para meus pais naquele fatídico ano de 1992. Bem que minha mãe contava que eu mexia muito na barriga dela. Foi assim que minha família ficou marcada para sempre. Foi assim que eu ouvi dizer. Todos comentavam o nascimento do lobisomenzinho, nos bares da cidade, nas sinucas, na igreja, nas escolas, qualquer canto em São domingos da Prata por onde se andasse, o comentário era o mesmo – o nascimento do sétimo filho de seu Zequinha. A notícia correu rapidamente.Você sabe, fofoca se espalha que é uma maravilha.
Por causa de todo o bochicho, minha família não encontrava um cristão que quisesse me batizar. Meu pai saía pela manhã, bem cedinho, rodava de bicicleta por toda a localidade em busca de uma alma caridosa que desejasse ser seu compadre.As pessoas se benziam, algumas fechavam as portas de casa e outras até andavam com uma cruz bem grande no peito.Até o padre, disfarçadamente, fechava as portas da igreja. Qual nada! Painho voltava para casa no fim do dia e só balançava a cabeça :
- Tem jeito não mulher, ninguém quer batizar nosso filho. Vai ser pagão mesmo.
Cresci um menino muito diferente dos outros: ao invés de chorar, uivava. Minha brincadeira favorita era correr atrás das galinhas. Com dois anos de idade já tinha no meu corpo alguns pelos. Minhas orelhas eram maiores do que o normal e com alguns pelos também. Quando meus dentes começaram a nascer, os caninos eram pontudos e demasiadamente grandes e no lugar da mamadeira gostava mesmo era de uma suculenta carne crua e cheia de sangue. Vivia preso em casa com medo de ser apedrejado pela vizinhança. Minha família com vergonha não saía comigo as ruas, afinal era a primeira vez que tinham um filho, assim... não muito “normal”, não sabiam lidar muito bem com isso . Quando ficava doente, meus pais tratavam logo de chamar o doutor Aimoré . Ele vinha meio cabreiro. Todo médico faz um juramento e não pode recusar paciente. Então escutava meu peito, examinava minha garganta e no final botava a mão na cabeça, coçava a barba e dizia:
- Minha nossa, comadre, nunca vi uma coisa dessas em todos esses 40 anos de medicina!
Aprendi a ler e a escrever com minha mãe que tratou logo de estudar para poder me alfabetizar já que não podia ir à escola para não espantar os alunos. O chão da minha casa era o quadro negro e os gravetos, o giz. Logo estava lendo muitos livros, já que não podia sair nem brincar com as crianças da minha idade. Minha leitura favorita eram as histórias de lobisomem, cupurira, saci, vampiros. Meus amigos eram os personagens desses livros. . Sempre tinha gente na minha porta querendo espiar o filho esquisitão do seu Zequinha ; desde que nasci, minha família não teve paz . Volta e meia via meus pais e irmãos brigando com alguém para me defender. É muito triste ser lobisomem. A medida em que o tempo passava, percebia que a preocupação de minha família crescia mais, pois quando completasse quinze anos viraria, nas noites de lua cheia, a meia noite, um lobisomem: eles não poderiam nunca mais, me prender dentro de casa, estaria livre.
Mas a vida gira nas rodas do cata-vento e no ano passado meus pais resolveram dar um basta nessa situação e sair de São Domingos do Prata definitivamente, pois já estavam cansados de tantas fofocas e cochichos pra todo lado. Compraram um sitiozinho em lugarejo mais adiante chamado Barro Branco, lá onde o diabo perdeu as meias. Sim porque as botas ele havia perdido em São Domingos. É aqui que moro hoje, ainda escondido, esperando o momento de me libertar aos 15 anos. Já escutei com meus ouvidos grande alguns comentários na vizinhança por causa dos meus uivos: é assustador! É que está se aproximando o momento de virar lobisomem, falta muito pouco para me tornar debutante. Aos 14 anos tornei-me um lobisomem adulto, com um uivo possante, dentes enormes , bem peludão, com olhos grandes e vermelhos. Dizem que as minhas enormes orelhas fazem barulho quando elas balançam
Meu alimento predileto é carne crua e jamelão. É onde pretendo me esconder – nas árvores de jamelão - para morder o pescoço das pessoas e então, finalmente ter novos amigos lobisomens para brincar e andar de bicicleta por ai – mas só pela madrugada, pois detesto a luz do dia. Meus amigos favoritos serão aqueles bem rebeldes do tipo que não gostam de estudar, que matam aulas para namorar e aqueles que fazem muita, malcriação para os pais.Lembre-se, cuidado com as noites de lua cheia a meia noite, principalmente se for de quinta para sexta-feira.... Uuuuuuuuuuu !
Ah esqueci de dizer que ao morder alguém, me transformarei em homem normal depois que o galo cantar. Por isso desconfie dos homens altos, magrelos, amarelos e abatidos: eles podem ser lobisomens disfarçados de humanos. O próprio nome diz, lobisomem é a mistura de homem com lobo. Dizem que meu pai era um lobisomem; agora entendo porque ele sumia de casa nas noites de lua cheia e só aparecia antes do nascer do sol.
Essa é a minha história. Acredite.
Quem tiver boca não fale; quem tiver ouvido, escute.
Entrou pelo pé do vento, saiu pela tripa do gato, quem quiser que conte quatro.

Um comentário:

Unknown disse...

Essas estórias me fazem voltar há muitos anos atrás... parábéns.
Beijo
Rosimary Perosim .'.