OUVIR HISTÓRIAS...
LER O MUNDO...
(Professor, escritor e autor de obras de literatura e livros didáticos, tendo sido agraciado com muitos prêmios e condecorações).
O mundo é um livro sem texto, criado a partir da palavra. Dizendo faça-se a luz, a água, a terra, o caos se curou. Livro sem texto onde me vejo elaborando orações, apaziguando as imensas emoções percebidas nesse mar de linhas e horizontes de eternas leituras. Desde o início em que me lembro, leio ininterruptamente suas páginas, recorrendo a todos os meus sentidos, acrescentando ainda o fantasiado, na tentativa de me acalentar frente a tão imenso mistério. E sobre esse remoto livro sem texto – invenção original primeira – busco atribuir significado a tudo que ultrapassa o meu pouco poder. Freqüentemente, incapaz de decifrar os enigmas, recorro aos imaginário, resgatando elementos para me proteger diante de tamanha intensidade. E só a palavra me inscreve.
Se me vejo criança, perto do nascimento,me sei mais assustado. Nascer foi receber, sem aviso prévio e de uma só vez, todo um livro onde o firmamento está ilustrado com estrela, sol, lua, vôos, caprichosamente equilibrados em via-láctea, constelações, caminho de São Tiago e os anjos. As terras, essas decoradas com árvores, frutos, estações, pedras e os homens. O fundo das águas povoado de corais, peixes, jardins, conchas e os narcisos. E se não fossem as palavras, aos poucos a mim presenteadas, eu teria sofrido da ansiedade que suponho ter vivido o primeiro homem ao se ver abandonado e obrigado a nomear cada coisa pela primeira vez, pois não existe pensamento sem palavra e refletir, para vencer no mundo, foi tarefa maior de Adão.
Assim, procurando adivinhar esse livro sem texto, eu escutava o conto de cada um, com o intuito de facilitar a minha leitura. Cada história me trazia novos entendimentos e outras lembranças. Elas clareavam meus jovens pressupostos, me revelavam o sentido que cada um imprimia a essa viagem.
E muitos – avós, padrinhos, vizinhos – me ofereciam histórias. Em suas narrativas afetuosas eu descobria o contraditório, o medo, o desejo, o ódio, a insegurança, sentimentos comuns a todos nós, passageiros. Revelou-se para mim que contar histórias era, também para eles, colocar as dúvidas, temporariamente, em seus lugares. Isso nos aproximava. O contador se fazia ouvinte de si mesmo. E todos, com diferentes lápis e vários tons, legendavam as páginas do livro. Receoso quanto ao futuro, incerto sobre o antes, eu aia atravessando os fantasmas na medida em que a linguagem tornava inteligível a lição.
A palavra era minha poção, meu ungüento, minha cataplasma, meu fortificante. Nas manhãs, eram as palavras que os mais velhos me davam para vencer o dia, quando eu pedia a bênção e respondiam: “Deus te abençoe”. As palavras me acompanhavam, ao ouvir, quando de saída, um “vai com Deus”. Elas eram o meu presente quando me desejavam “felicidades”; eram a minha tristeza quando me via obrigado a dizer “até a volta”. As palavras me acariciavam, me ameaçavam o inferno, me libertavam do pecado, me abriam o céu, quando as histórias eram de santos, milagres, levitações. As palavras me roubavam o sono e construíam os sonhos, me aproximava das perdas ou inauguravam os meus lutos. E meu cuidado para com elas, era tanto, que o silêncio passou a ser o lugar onde todas dormiam. Para acordá-las era preciso muita cautela.
E se demais a solidão, eu pedia à minha avó uma história. Ela me assentava sobre seus joelhos – Sant’Ana sem livro – olhava o fundo da paisagem e arrancava um conto. Às vezes, eu não escutava. Sua presença era a minha leitura. Seu corpo perto do meu, sua voz era um pretexto. Sei que nessa hora de “porquês” eu me fazia sua leitura e nosso amor era nossa história.
E minha avó me contava a história do pescador que fisgava um baú de moedas e viveu feliz em saber que eram falsas, mas nem por isso menos belas. Ela falava, ainda vejo os seus olhos, para si mesma, reinventando o livro para bem suportá-lo. Eu testemunhava sua leitura, sua aflição, seus fracassos na medida em que legendava o seu livro sem texto. Então, as suas palavras me levavam para muito mais longe. Assim, diante dos limites, a liberdade nos visitava ao apelidarmos o real.
Bruxas, reis, madrastas, anjos e assombrações, afogamentos e encantamentos contidos nas histórias me revelavam o livro. Decifrá-lo deixou de ser meu desejo. Suas tantas leituras me fascinavam. A incapacidade de esgotar em enunciados e nuances do universo, passou a ser a minha maneira de conhecer. E se muitas histórias eu ouvia, mais o livro ganhava em profundidade, entendimento e mistério.
As histórias me aproximam das palavras escritas. Saber ler passou a ser ganhar outras portas, encontrar novos alicerces, desequilibrar o sabido, desconfiar da permanência. Ler era o que de melhor eu podia fazer por mim. Ler, não para saber, mas pelo prazer de receber notícias de outras inquietações.
Se visito o passado, não sei se as dúvidas das crianças hoje são outras. Às vezes sou levado a perceber que o mistério do nascimento e da morte, com suas inquietações intermediárias, persistem. Vejo então, como indispensável, tomar as crianças no colo e dizer da fragilidade da viagem, lançando mão dos mais eficaz dos métodos: deixar a fantasia ler o mundo e legendá-lo, então, afetivamente.
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta,sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível, que lhes deres
trouxeste a chave?
- PARABÉNS PARA NÓS PROFESSORES ! -
18 comentários:
Silvana, obrigada pela visita.Adorei!
Hoje, resolvi vir fazer um passeio, conhecer um pouco mais do Brasil através de tudo que vc posta aqui.Que riqueza!!!!
Obrigada tb pelo texto de hoje , pois tb sou educadora.
Um beijo no coração...Emilinha
Ola!Silvana
amiga, que texto, explendido
Parabéns, pra você que sempre será um educador, eu já disse (em especial o meu professor contador de histórias e estórias) bjos mil no coração e na alma.
que ele nos proteja em especial neste lindo dia,
Teresa Grazioli
Olá, Silvana! Obrigada por ter postado um texto de palavras tão simples,mas de tamanha grandeza. É realmente um presente para nós educadores!
Abraços e Feliz Dia do Professor!
OLA SILVANA, MARAVILHOSO TEXTO...PARABENS A TODOS OS PROFESSORES...VOTOS DE UMA BOA TARDE!!!
BEIJOS DE AMIZADE,
SUSY
Como já dizia o Grande Paulo Freire: "Todas as profissões são importantes mas a de educador é fundamental."
Os professores merecem, ainda mais do jeito q anda a sociedade eles merecem todo respeito.
lindo post
bjs
Olá querida
O texto postado é maravilhoso,pena que ainda não valorizam os professores como merecem, o que seria do ser humano sem professor, onde ficaria desenvolvimento no todo.
PARABÉNS
Com muito carinho BJS.
Oi Silvana!
Lindo texto. Exerci a profissão por 26 anos e sou ap há 3. Pena sermos testemunha ocular de tanto descaso com o professor. Enquanto isso o governo é obrigado a construir mais presídios. Parabéns pelo texto
Bj
Margarida
Comovedor o texto e a aneira que introduziu e finalizou deuum encanto especial.
beijos
Que texto fantático minha linda.
Sou muito chorona e até chorei.
Parabéns!
Rô!
Olá, Silvana!
Que maravilha de texto!
Parabéns a todos os professores,
bravos guerreiros!
Há um selinho esperando por você no meu blog... Venha buscá-lo!rsrs
Forte abraço!
Gostei do seu blog. Eu sou professor em Honduras e tenho EM.
Parabens!!!
Obrigada pela linda homenagem querida!
Bjs.
Olá, Silvana. Como sempre postando textos de muita qualidade. Parabéns pelo dia da Professora. Se tiveres um tempinho, dê uma olhada no blog REFLEXÕES. Também postei um texto sobre a nossa profissão. Bjkas!Sônia Silvino
Estou chegando atrasa, mas quero dar os parabéns pelo seu dia, que considero muito especial. Tenho vários professores na família e sei bem da importância dessa profissão.
Belo texto!
Bjs.
Olá companheira, obgda pela visita e acompanhamento do espaço, o objetivo primeiro seria divulgar a educação e cultura no meu habitat profissional, entretanto as prosas e versos tomaram proporcões que me obrigaram a aumentar o vocabulário, rsrsr, entretanto não posso deixar de dizer que o seu é uma maravih=lha, ta enriquecido de textos que eu gosto e me interessa para pesquisas. Que bom vc esta´pesquisando sobre a literatura popular, sou fruto disso, meu pai era (falecido) um poeta popular e portanto não tenho como negar que nasci ao som da viola. Estou aqui para trocarmos idéias. Te desejo sucessos mil, mais do que observei que já tens. Um abraço. Geralda Efigênia
Obrigada pela visita, amei seu Blog, vou visitá-lo mais vezes. Parabéns pelas ideias e esse texto é sensacional. Abçs
Postar um comentário