domingo, 18 de outubro de 2009

A PONTE DA SAUDADE ( ILHA DE PAQUETÁ ).


“Tudo aconteceu no tempo em que os escravos desembarcavam neste cais, vindos de Brocoió, onde faziam quarentena, antes de entrar em contato com a população da Ilha de Paquetá, no Rio de Janeiro. Por esse fato é que o cenário desta estória teve como palco este lugar.
Seu personagem principal foi um preto forte e triste, chamado pelos negros de João Saudade e, pelos feitores, de João da Nação Benguella. Seu nome criou fama nas senzalas onde, na prosa dos mais velhos, foi um mito, falado e venerado por toda a gente escrava.
João da Naçao Benguella, no tempo do mil réis, foi vendido aqui por 400$000, avaliados pela força e robustez da exuberância muscular do seu contorno.
Dizem que veio da África num dos navios negreiros de Francisco Gonçalves da Fonseca, o dono do “Solar Del’Rei”. 
Como era de costume, depois da quarentena em Brocoió, veio para ca numa falua, que uma vez por mês encostava neste cais da “Praia das Pedreiras”.
João obedeceu com resignação ao costumeiro ritual; porque em seu peito não havia lugar – nem para ódios, nem para revoltas – porque já estava todo cheio de um outro sentimento: a enorme saudade que lhe fazia sofrer por Januária, e lhe fazia viver pelo amor de Loreano, um pretinho rechonchudo; filho deles dois.
João Saudade não podia imaginar o que fora feito deles. Quando foi capturado, não houve tempo nem para um abraço, nem para um “adeus”!
Os anos passavam lentos e João passava os anos rezando pelo amor dos dois. No íntimo de si havia uma certeza estranha… uma esperança, que a falange de Iemanjá, que o trouxera sobre as ondas, também traria seus dois amores que, um dia, ele veria chegar naquela “ponte”, depois de alguma quarentena em Brocoió. Algo lhe dizia que o destino lhe havia reservado um reencontro… e era por ele, que rezava aos guias e esperava ali a cada desembarque.
Passaram-se os anos. E cada ano que passava era mais longo… mas nenhum, maior que a perseverança de João “Benguella”.
Durante o dia, trabalhava nas caieiras; e à noite, rezava junto ao cais, conversava com a Lua, falava com as estrelas, molhava os pés cansados nas águas amenas deste mar, e lavava as suas mágoas nas gotas de sereno. Somente quando ouvia o pio das primeiras aves despertadas é que parava de falar com a Estrela Dalva. Olhava para o céu, despedia-se da noite já passada; dava um bom dia para a madrugada e voltava… devagar e triste, para as tristezas da senzala.
Todos os dias João chegava, cabisbaixo… cansado de rezar em vão, por encontrar um lenitivo para a dor desta saudade que, amargurando a sua alma, minava a resistência do seu coração, transbordando-lhe nos olhos refletida em cada lágrima.
João não era apenas um escravo triste. Para alguns dos velhos, era a própria encarnação humana da saudade.
O tempo passava como de costume, no correr dos anos: João, sua Saudade, os desembarques, o velho cais… Mas eis que um dia, João não regressou com os passarinhos… e os escravos, na senzala, deram falta dele e, em vão, o procuraram.
O desaparecimento de João Saudade aconteceu na manhã seguinte de uma sexta- feira em que a rotina da noite foi quebrada por um fato de espanto e de mistério: – talvez por dois minutos, um clarão estranho transformou a noite em dia, sem que ninguém soubesse explicar por que! Apenas viram surgir no Céu uma estrela muito grande e muito bela, e os seus raios de luz, iluminando a noite, encheram a “Ponte da Saudade” de um clarão de prata, que foi visto por todos na senzala. Quando o clarão se apagou, João Saudade, que rezava no cais, havia desaparecido juntamente com a estrela brilhante e os seus raios de luz.
Ninguém, jamais, soube explicar o que aconteceu à estrela e a João Saudade que, desde aquela noite desapareceu misteriosamente.
Tornou-se crença dos escravos que aquela estrela foi a falange iluminada de Iemanjá que, pela força da Saudade de João “Benguella”, teve permissão do Astral para buscá-lo, pondo fim ao sofrimento do seu Banzo; saudade imensa pela qual viveu, e pela qual sempre pediu para ir embora.
O cais onde João ficava passou a ser chamado de “A Ponte da Saudade”, transformando-se em local de reza e ritual dos negros, na esperança de que um dia também, pela força da Fé, fossem levados por alguma estrela… e libertados”.

20 comentários:

Anônimo disse...

Bom Dia e obrigada pela visita e convite!
Comecei a ler e gostei muito.
Adoro "estórias" bem contadas,como as suas.
Beijo.
isa.

Alda Martins disse...

Oi, obrigada pelo seu comentário no Blog do João. Gostei de ler sua página, vou voltar. gostei também das imagens, têm cor, vida dá vontade de voltal.
Abraço
Alda

Unknown disse...

Que história linda! Uma narrativa tão cheia de emoção e poesia. Adoro histórias assim. Bjuss

magna disse...

oie Silvana nem preciso dizer o quanto seu blog me instrui fico sensibilizada com essas histórias,lindas,fico sem palavras e me emociono com a maioria!bjuss e tenha um bom dia!

DRIKA TREVILATO disse...

Olá Silvana!!!
Lendo seu post viajei no tempo e amei!!!! Que lindo conto!!!
Obrigada por partilhar!!!
Bom domingo pra você.
Super bjks
Drika

Unknown disse...

Bom encontro esse. Também sou formada em Letras e adorei seus blogs. Parabéns!

Anabela disse...

Mais uma lenda bonita,como tantas outras que nos contas aqui no teu cantinho...,adoro ler estas historia e fico imaginando tudo...,bjs

Anônimo disse...

De quanta tristeza é feita a história do nosso país.
Bjs.

Angela Ramos disse...

Que lindo seu blog. Que bom que você me oportunizou conhecer o seu espaço. Adorei! Melhore logo para poder contar outras belíssimas histórias. Histórias alimentam nossa alma.
Parabéns!
Angela

alegria de viver disse...

Olá
Não sei mas acho que estamos na semana da saudade, escrevi sobre saudade e para meu espanto, acabo de ler alguns blogs falando desta saudade, e depois não acreditam na lei da atração.
Belo texto um conto lindo.
Com muito carinho BJS.

ANA PAZ disse...

Seu trabalho é maravilhoso, é claro que estarei te acompanhando e adorei sua visita.
Um abraço!
Ana Paz

PROFESSORA AVILETE disse...

Adorei seu blog. Virei visitá-lo sempre.
Avilete.

PROFESSORA AVILETE disse...

Adorei seu blog. Virei visitá-lo sempre.
Avilete.

Unknown disse...

Querida Silvana, um ótimo final de domingo com horário de verão pra vc! Ameeeeeeei seu blog, não deu pra ler tudo, mas vou me deliciando aos poucos com tanta riqueza! Puxa...vou aprender demais com vc, que maravilha!Adorei as fotos, principalmente de seus pais,marido e filhos,lindos.Espero que me visite sempre.Sou sua fã.Beijão.

* Edméia * disse...

*Silvana !!! *

*Estou aqui conhecendo este teu

espaço e gostando muito do

mesmo !!! (*Já te sigo !!! ).

*Silvana, muito obrigada pelo

teu comentário no *Caderninho !!!

*Fiquei CONTENTE !!!

*Boa sorte aí na busca de um

patrocínio para o teu projeto !!!

*Ótima semana !!!

*Fiques com Deus.

*Te imitando ...

" ... Saudações Florestais !!!"

(*Amei essa saudação !!! Eu a

desconhecia !!! ).

Anônimo disse...

Silvana, dessa vez me comovi de verdade. Que estória linda e triste.
Conheço Paquetá, e curiosamente, das vêzes em que lá estive, me passou uma certa melancolia inexplicável, apesar de toda exuberante natureza e belíssimas paisagens.
Muito lindo !
Bjs.

toques conscienciais disse...

Parabéns por suas pesquisas. Que bom!!!...que ainda exista quem se dedique a essa tarefa.Grande abraço.

Carlos Albuquerque disse...

OLá, Silvana.
Linda história esta sobre o escravo João que "conversava com as estrelas e falava com a Lua..." Comove e emociona!
Sabe, Silvana, penso que cada um de nós também espera que um dia lhe apareça a estrela libertadora...
Beijos e um abraço

Solange disse...

Lindas essas lendas e tristes. Parabéns pelo seu blog, mutio bem feito e de bom gosto.
Bjocas

Daniel Savio disse...

Lenda meio triste...

Apesar de pensar que um caçadador de ovni acharia que se trata de um avistamento de ovni...

Fique com Deus, menina Silvana.
Um abraço.